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quarta-feira, julho 23, 2008

BOCHINCHO, DE JAIME CAETANO BRAUM


Autoria: Jayme Caetano Braun
A um bochincho - certa feita,

Fui chegando - de curioso,

Que o vicio - é que nem sarnoso,

nunca pára - nem se ajeita.

Baile de gente direita

Vi, de pronto, que não era,

Na noite de primavera

Gaguejava a voz dum tango

E eu sou louco por fandango

Que nem pinto por quireral.

Atei meu zaino - longito,

Num galho de guamirim,

Desde guri fui assim,

Não brinco nem facilito.E

m bruxas não acredito

'Pero - que las, las hay',

Sou da costa do Uruguai,

Meu velho pago querido

E por andar desprevenido

Há tanto guri sem pai.

No rancho de santa-fé,

De pau-a-pique barreado,

Num trancão de convidado

Me entreverei no banzé.

Chinaredo à bola-pé,

No ambiente fumacento,

Um candieiro, bem no centro,

Num lusco-fusco de aurora,

Pra quem chegava de fora

Pouco enxergava ali dentro!

Dei de mão numa tiangaça

Que me cruzou no costado

E já sai entreverado

Entre a poeira e a fumaça,

Oigalé china lindaça,

Morena de toda a crina,

Dessas da venta brasina,

Com cheiro de lechiguanaQ

ue quando ergue uma pestana

Até a noite se ilumina.

Misto de diaba e de santa,

Com ares de quem é dona

E um gosto de temporona

Que traz água na garganta.

Eu me grudei na percanta

O mesmo que um carrapato

E o gaiteiro era um mulato

Que até dormindo tocava

E a gaita choramingava

Como namoro de gato!

A gaita velha gemia,

Ás vezes quase parava,

De repente se acordava

E num vanerão se perdia

E eu - contra a pele macia

Daquele corpo moreno,

Sentia o mundo pequeno,

Bombeando cheio de enlevo

Dois olhos - flores de trevo

Com respingos de sereno!

Mas o que é bom se termina-

Cumpriu-se o velho ditado,

Eu que dançava, embalado,

Nos braços doces da china

Escutei - de relancina,

Uma espécie de relincho,

Era o dono do bochincho,

Meio oitavado num canto,

Que me olhava - com espanto,

Mais sério do que um capincho!

E foi ele que se veio,

Pois era dele a pinguancha,

Bufando e abrindo cancha

Como dono de rodeio.

Quis me partir pelo meio

Num talonaço de adaga

Que - se me pega - me estraga,

Chegou levantar um cisco,

Mas não é a toa - chomisco!

Que sou de São Luiz Gonzaga!

Meio na volta do braço

Consegui tirar o talho

E quase que me atrapalho

Porque havia pouco espaço,

Mas senti o calor do aço

E o calor do aço arde,

Me levantei - sem alarde,

Por causa do desaforo

E soltei meu marca touro

Num medonho buenas-tarde!

Tenho visto coisa feia,

Tenho visto judiaria,

Mas ainda hoje me arrepia

Lembrar aquela peleia

,Talvez quem ouça - não creia,

Mas vi brotar no pescoço,

Do índio do berro grosso

Como uma cinta vermelha

E desde o beiço até a orelha

Ficou relampeando o osso!

O índio era um índio touro,

Mas até touro se ajoelha,

Cortado do beiço a orelha

Amontoou-se como um couro

E aquilo foi um estouro,

Daqueles que dava medo,

Espantou-se o chinaredo

E amigos - foi uma zoada,

Parecia até uma eguada

Disparando num varzedo!

Não há quem pinte o retrato

Dum bochincho - quando estoura,

Tinidos de adaga - espora

E gritos de desacato.

Berros de quarenta e quatro

De cada canto da sala

E a velha gaita baguala

Num vanerão pacholento,

Fazendo acompanhamento

Do turumbamba de bala!

É china que se escabela,

Redemoinhando na porta

E chiru da guampa torta

Que vem direito à janela,

Gritando - de toda guela,

Num berreiro alucinante,

Índio que não se garante,

Vendo sangue - se apavora

E se manda - campo fora,

Levando tudo por diante!

Sou crente na divindade,

Morro quando Deus quiser,

Mas amigos - se eu disser,

Até periga a verdade,

Naquela barbaridade,

De chínaredo fugindo,

De grito e bala zunindo,

O gaiteiro - alheio a tudo,

Tocava um xote clinudo,

Já quase meio dormindo!

E a coisa ia indo assim,

Balanceei a situação,

- Já quase sem munição,

Todos atirando em mim.

Qual ia ser o meu fim,

Me dei conta - de repente,

Não vou ficar pra semente,

Mas gosto de andar no mundo,

Me esperavam na do fundo,

Saí na Porta da frente

...E dali ganhei o mato,

Abaixo de tiroteioE inda escutava o floreio

Da cordeona do mulato

E, pra encurtar o relato,

Me bandeei pra o outro lado,

Cruzei o Uruguai, a nado,

Que o meu zaino era um capincho

E a história desse bochincho

Faz parte do meu passado!

E a china - essa pergunta me é feita

A cada vez que declamo

É uma coisa que reclamo

Porque não acho direita

Considero uma desfeita

Que compreender não consigo,

Eu, no medonho perigo

Duma situação brasina

Todos perguntam da china

E ninguém se importa comigo!

E a china - eu nunca mais vi

No meu gauderiar andejo,

Somente em sonhos a vejo

Em bárbaro frenesi.

Talvez ande - por aí,

No rodeio das alçadas,

Ou - talvez - nas madrugadas,

Seja uma estrela chirua

Dessas - que se banha nua

No espelho das aguadas!
Origem: Livro "Bota de garrão",

autoria de Jayme Caetano Braun. Editora Sulina. 1979.
Publicado por Roberto Cohen em 29/05/2001.
Editado por Roberto Cohen em 07/01/2004.
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